segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE - PSC COMO INSTRUMENTO DE REINSERÇÃO SOCIAL

Autores: Adeildo Vila Nova, Aline da Silva Honório Alves, Camila Gualberto, Daniely Vaiano, Edjan Alves, Lidiana Dias do Nascimento, Maria das Graças Santana Machado e Naiara Alves de Barros

Resumo: As discussões sobre a redução da maioridade penal para os adolescentes autores de atos infracionais no Brasil suscitou uma série de questionamentos que nos levaram a uma reflexão. De que maneira a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade – PSC contribui para a reinserção dos adolescentes na sociedade e mostrar como a questão da redução da maioridade penal é levantada por diversos setores da sociedade de maneira superficial, imediatista, sem levar em conta os fatores sócio-históricos e político-econômicos que contribui para a prática de atos infracionais.

Palavras-chave: Prestação de serviços à comunidade - PSC, reinserção social, ressocialização, criança e adolescente, medidas socioeducativas.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Este artigo é o resultado do Trabalho Interdisciplinar Dirigido – TIDIR e sintetiza nossas impressões, após pesquisas realizadas, baseadas exclusivamente em vasta bibliografia que trata dos assuntos pertinentes ao eixo principal e de artigos e trabalhos que tinham este mesmo tema como referencial. Tem como eixo principal: Política Social e Direitos Humanos e como sub-eixo: Políticas Sociais como efetivação de direitos. Em seguida, foi definido o tema: O adolescente em conflito com a lei e o sub-tema ou tema-problema: Redução da maioridade penal ou a efetivação das medidas socioeducativas? Além disso, o tema foi analisado do ponto de vista da sociologia, da psicologia e da filosofia, bem como tentamos também estabelecer uma relação com o contexto sócio-histórico e político-econômico e com as políticas sociais existentes no Brasil. A partir daí, o grupo definiu seu ponto de vista sobre a questão apresentada e elegeu a seguinte reflexão: A Prestação de Serviços à Comunidade – PSC como instrumento de reinserção social. A PSC é umas das medidas socioeducativas que estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA para os adolescentes que praticarem ato infracional, por entender que esta é uma medida que, efetivamente, oferece oportunidade para que este adolescente estabeleça uma relação com o mundo externo, fazendo com que tome ciência das diversas formas de relações que são estabelecidas com a sociedade, além de tomar conhecimento das formas que o Estado brasileiro e demais organismos estão estruturados, fazendo com que este, o adolescente, possa refletir sobre suas ações e de que forma estas ações interferem diretamente no seu convívio sócio-familiar e como a sociedade os vêem. Opondo-nos à idéia de redução da maioridade penal, outra discussão que vem ganhando espaço, principalmente quando alguns casos isolados de violência cometidos por adolescentes têm repercussão nacional, divulgados pela mídia de forma irresponsável e sem qualquer fundamento estatístico para os dados que são apresentados, causando uma sensação de hiperdimensionamento do problema, impunidade e insegurança à sociedade. A discussão da redução da maioridade penal faz parte de um discurso político generalizado que tem apoio de diversos grupos da sociedade brasileira que privilegia a retenção do adolescente, que sofre diariamente com a violação de seus direitos fundamentais definidos em seu Estatuto, em detrimento da efetiva aplicação das medidas socioeducativas que, teoricamente, estão garantidas no ECA e que, se aplicadas de fato, diminuiriam os casos de atos infracionais cometidos pelos adolescentes e em contrapartida dariam oportunidade para estes jovens se desenvolverem político e socialmente.
Neste nosso trabalho, utilizamos os termos reinserção social e ressocialização que, em busca de um conceito sobre estes dois termos, percebemos que apesar de algumas diferenças específicas, ambos convergem para restabelecimento das sociabilidades, através da (re) inserção de indivíduos ou grupos sociais na escola, na ocupação dos tempos livres, na família, no trabalho ou na saúde. Têm finalidade de colaborar para a coesão e ordem sociais, indispensáveis ao desenvolvimento e à paz, bem como promover a convivencialidade, a responsabilidade, a justiça, o bem estar e a esperança individual e interpessoal. Assim, sempre que esta palavra for mencionada no texto, entenda-se este conceito como a descrição citada acima.
O desrespeito às normativas nacionais: Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei Federal nº. 8.069/90 e internacionais: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção da Organização das Nações Unidas – ONU sobre os Direitos da Criança, das quais o Brasil é signatário e às garantias fundamentais do cidadão brasileiro, estabelecidas nestas normativas, frisadas de maneira especial às crianças e adolescentes em seu estatuto próprio, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, criado em 1990 e que prevê medidas de proteção, prevenção e principalmente orientação, contribui para a violência e para os atos infracionais cometidos pelos adolescentes, de maneira que há uma miopia na interpretação deste Estatuto, assim como uma deturpação das medidas socioeducativas nele fundamentadas.
Em face do constante aumento de casos de violência protagonizada por crianças e adolescentes e veiculados pela mídia impressa e televisiva e a ênfase que é dada a estes casos, sem uma avaliação imparcial e baseada em estatísticas e fontes seguras, levando as autoridades e a sociedade em geral a levantar e discutir a questão da redução da maioridade penal com certa superficialidade, sendo esta pensada em caráter imediatista, ignorando completamente o ECA e demais normativas nacionais e internacionais com suas prerrogativas no que diz respeito às formas de tratamento, atendimento e de punição estabelecida para os adolescentes autores de atos infracionais, nos faz refletir de maneira mais ampla a questão do adolescente infrator, a realidade social à qual está inserido e as medidas socioeducativas definidas pelo ECA: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em estabelecimento educacional.
Considerando que a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade – PSC é uma alternativa para que, ao mesmo tempo em que é adotada como punição aos adolescentes autores de atos infracionais, este artigo tenta mostrar, que esta medida extrapola a sua finalidade apenas punitiva e pretende-se mostrar que se torna uma oportunidade para que estes mesmos jovens entrem em contato com outras formas de relações sociais, estruturas da sociedade e de organizações sociais e empresariais de uma forma diferenciada das anteriores às suas infrações. Desenvolvendo e estabelecendo noções de relacionamento interpessoal, disciplina, respeito, cordialidade, entre outros, contribuindo assim, para o processo de reinserção social do adolescente na sociedade e preparando-o para os novos desafios da sua vida familiar, comunitária, educacional e profissional.

DESENVOLVIMENTO

1 – A “LEGALIDADE” DA JUSTIÇA

Estabelecer a relação entre o que é legal e o que é justo é uma tarefa dificílima, inclusive para alguns estudiosos, teólogos e filósofos como Rubem Alves que afirma: “não sei o que é justiça”, mas acrescentou “sei o que é sentimento de injustiça – uma coisa dentro da alma que diz que as coisas não deveriam ser da forma que são” (Alves, 2001). É a partir deste conceito que tentaremos estabelecer esta relação.
Uma das primeiras coisas que devemos ter em mente é que existe uma distância muito grande entre o que é legal e o que é justo. Por isso é que as leis estão sempre em transformação, como aponta Rubem Alves: “Se as leis fossem justas, não precisariam ser mudadas. São mudadas porque são injustas”. (Alves, 2001).
A lei é uma forma de pensamento lógico que parte de duas premissas: universal e particular. A universal é de que sem as leis universais, iguais para todos, seria impossível a ordem social, pois cada um faria o que quisesse, estas leis servem para disciplinar e organizar a convivência na sociedade. Viver em sociedade é abdicar de vontades individuais em prol de uma vontade geral que está expressa na lei. Abro mão da minha vontade individual e transfiro para a lei, seria a “alienação” da vontade individual que, segundo Hobbes (Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVI), sem esta transferência de vontade individual para a lei, esta lei entendida como Estado, seria uma “guerra de todos contra todos”. A particular é de que alguém que transgride a lei, faz de forma a não ser conhecida para não serem punidos, pressupondo a construção do fato para que o mesmo receba a punição adequada pela transgressão. Surge o primeiro problema: o fato é construído a partir de duas interpretações, da acusação e da defesa. Esta construção é exposta a um corpo de jurados que ignoram tudo que realmente aconteceu. Providos de subjetividades como qualquer outro ser humano, preconceitos, medo, nervosismo, falta de clareza, além da esperteza, sagacidade, honestidade e desonestidade dos advogados, distanciando, cada vez mais, o ocorrido da realidade. O juiz tem o poder de decidir e “tem que saber que a verdade está em jogo e que sua sentença, mesmo sendo legal, pode ser injusta e aí está o grande dilema: qual será a sentença legal que mais se aproxima da justiça? (Alves, 2001)
A idéia de Justiça está diretamente relacionada com o exercício de direitos e interesses legalmente protegidos, porém direitos legalmente protegidos, nem sempre são direitos efetivamente garantidos ou exercidos. São diversas as legislações que tratam dos direitos da criança e do adolescente, mas isso não significa, necessariamente, justiça (Guerra, 2005). Leis que vão, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração Universal dos Direitos da Criança, ambos definidos e proclamados pela Organização das Nações Unidas – ONU até a consolidação da Constituição de 1988, também conhecida como a Constituição Cidadã, e a homologação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, criado em 1990 através da Lei Federal nº. 8.069, considerado um avanço na legislação de proteção à infância e à juventude.
Tudo isso desencadeou uma série de ações visando uma alteração nas formas de punição às crianças e adolescentes autores de atos infracionais, mas isso não resolveu o problema das injustiças cometidas pelo Estado através de suas leis, pois estas leis são definidas não pela população que realmente conhece as necessidades, mas por um grupo de pessoas, alheios à realidade social, como bem definiu Rosângela Francischini e Herculano Ricardo Campos, ambos docentes do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN:

“... tais regras são definidas por e a partir de um grupo social específico, aqui denominado de dominante, o qual constrói toda uma teia de relações sociais e uma subjetividade (ideológica) que, ao mesmo tempo em que é expressão desta teia, é também sua fonte de retroalimentação. Logo há um padrão de referência de relação social que serve para delimitar as fronteiras do que se considera transgressão. Conseqüentemente, segue-se um padrão de referência quando se pensa em ressocialização, o daquele grupo social específico.” (2005, p. 269)

Vemos-nos, freqüentemente, diante da violação dos direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente das crianças e adolescentes, que deveriam ter prioridade no atendimento das suas necessidades, como determina o ECA. A preocupação do Estado está em encontrar meios de retenção destes adolescentes em conflito com e lei, em detrimento da busca, em conjunto com as famílias e a sociedade, de respostas e soluções para a efetiva garantia dos direitos da criança e do adolescente: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, deixando-os a salvo de qualquer negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, conforme determina o artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
A relação estabelecida entre o que é justo é o que é legal é o distanciamento que existe entre um e outro. Que a justiça e a legalidade dependem do ponto de vista de quem formula as leis que, na maioria das vezes, é da classe dominante, para atender às suas necessidades e demandas, não está preocupada em prevenir ou educar, mas apenas em aplicar medidas de punição, retenção e repressão, para que seus projetos de vida não sejam prejudicados pela “desordem social”, portanto não pode ser justo para quem está na base da pirâmide social, especialmente os pobres e negros.


2 – A POSIÇÃO DO ESTADO NO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Diariamente, crianças e adolescentes brasileiros sofrem atos de violência de seus direitos, seja pela família, pela sociedade e principalmente pela omissão do Estado. Esses são privados de possibilidades como respeito em sua cidadania, acesso a justiça, educação e saúde, tornando-se vulneráveis à violência urbana, à criminalidade, à drogadição, à situação de rua, entre outros.
Através de uma análise ao longo da história é possível notar que o Estado possui uma preocupação peculiar no que se refere ao adolescente autor de ato infracional, suas decisões estão sempre voltadas a manter a organização da sociedade, a partir de uma visão de ordem social e não em uma política de transformação das condições de vida destes adolescentes, favorecendo a prática do ato infracional.
Em 1964, momento marcado pelo Golpe Militar em que militares passam a governar o País, a idéia de mudar o tratamento à infância e adolescência é interrompida e substituída pela ideologia militarista, que tinha como objetivo o controle social da população principalmente da mais pobre e miserável. Foram criadas algumas instituições de internação que se revelaram na sua atuação caracterizada por uma política assistencialista, tratamento desumano e ausência de proposta pedagógica. Os militares tinham como objetivo o desenvolvimento nacional através de estudos de teorias sobre marginalização e políticas de caráter militarista. Sua proposta era de conseguir o desenvolvimento do Brasil através da “Modernização Conservadora”, no qual a questão social era vista através da ótica de que a pobreza era geradora de conflitos. Com isso, os chamados “menores” em situação irregular eram vistos como um problema social que poderia colocar em risco a manutenção da ordem e o desenvolvimento nacional pretendido pelos militaristas.
Muitos desses jovens continuavam e continuam cometendo atos infracionais ao sair deste tipo de instituição, o que gera outro problema: “a reincidência”.
Através da redemocratização da Sociedade, que buscavam sua civilidade através de movimentos sociais, o Estado deixou de ser o único protagonista das ações da área social. Surge nos setores da sociedade civil uma força de oposição às políticas até então vigentes, onde também educadores e trabalhadores sociais da área, passaram a reconhecer os adolescentes como sujeitos de direitos, e nesse sentido, a importância de se garantir condições de proteção e desenvolvimento.
A realidade de muitas crianças e adolescentes se assemelha às de outras décadas, pois apesar de passarem a ser reconhecidos como sujeito de direitos, ainda se luta pela plena efetivação do seu Estatuto.
Grande parte da população brasileira vive em situação de miséria, fator agravante a cada dia, e com isso cresce a exclusão das crianças e adolescentes de seus direitos básicos. Para esses adolescentes privados de seus direitos e possibilidades a estigmatização social acontece automaticamente, “sendo reconhecidos como pivetes, trombadinhas e outros” (Rosa, p. 183), a criminalização da pobreza leva a sociedade a enxergar o adolescente pobre, e principalmente o negro, como perigoso e ameaçador o qual deve ser controlado, educado e interditado. Preconceito que gera discriminação.
Dentro desse contexto de exclusão, resta a esses adolescentes a inserção social no imediato, seja trabalhando, roubando, pedindo, brincando, etc. É assim que muitas crianças e adolescentes impossibilitados de viver sua infância tornam-se precocemente trabalhadoras, vítimas, mas também réus.
Esse quadro torna-se mais intenso para o adolescente com prática de ato infracional, pois a situação de pobreza pode favorecer e levar a uma relação com a prática de delitos, causando temor à sociedade e tornando-se alvo da ação arbitrária da polícia, que no Brasil mostra-se violenta e generalista.
Este cenário é o reflexo de um sistema capitalista estrutural excludente que socialmente produz e potencializa a violência. E mostra a trágica organização econômica, política e social do Brasil, historicamente caracterizada pela distribuição desigual de renda que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 1% da população rica detém 13,5% da renda nacional, contra os 50% mais pobres, que detêm 14,4% desta, a ausência de justiça e desrespeito à cidadania.
A população brasileira enfrenta hoje, o problema do desemprego, fruto do mercado globalizado que num processo de transformação gerou enfraquecimento do Estado e mudanças no mundo do trabalho, e também do Neoliberalismo que permite a livre concorrência de mercado e um salário mínimo que não supre as necessidades básicas, defendendo o Estado mínimo.
As famílias pobres não têm lugar reservado na produção e passam a depender do emprego esporádico, ou das esmolas, ou ainda de pequenos furtos de seus filhos para sobreviver. São filhos para os quais a sociedade não reservou lugar e acabam vivendo espalhados pelas cidades, nas ruas, aonde aos poucos vão caminhando para a prática de atos infracionais, numa linha de sobrevivência.
As medidas socioeducativas surgem para amparar o adolescente autor de ato infracional, pois formam condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos e civis, considerando o adolescente como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Fazendo com que a Prestação de Serviço a Comunidade - PSC seja um instrumento de transformação na reinserção do adolescente na sociedade.

3 – O CAPITALISMO E O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

O sistema sócio-econômico pode ser visto como um fator determinante para que adolescentes cometam atos infracionais, no entanto não é o único, já que adolescentes de classe média e alta também cometem infrações. O capitalismo, que é o sistema sócio-político e econômico que vigora no Brasil, tem contribuído para o aumento das desigualdades sociais e ampliado as diferenças entre as classes. A busca pelo lucro tem feito com que os donos dos meios de produção explorem seus trabalhadores, aumentando a produção de mercadoria e, com isso, acumulando mais capital. Esse capital, entretanto, tem ficado nas mãos de poucos, enquanto tantos outros vivem na miséria.
Diante deste quadro, encontram-se os adolescentes que não possuem renda, privados de muitos direitos fundamentais e, principalmente, que estão distantes do estilo de vida ditado pelo capitalismo, onde a qualidade de vida é buscada no poder de compra. Esses jovens não conseguem ver nada além do ter, do possuir. O que os impulsiona, em certas situações, a cometer atos infracionais para adquirir um celular moderno, o tênis mais caro, a roupa de marca e tudo aquilo que eles vêm na televisão, nas vitrines das lojas ou nas ruas por onde passam.
Hoje, a sociedade deixou de reivindicar uma maior participação democrática ou ainda, que sua cidadania seja respeitada. O que está como prioridade é poder consumir, não se dá tanta importância para o que acontece na saúde, educação, habitação do nosso país. O Estado neoliberal não interfere na economia, para favorecer os interesses das classes mais abastadas e poderosas. E para reduzir gastos, diminui os investimentos na área social, gerando maior desemprego, serviços precários e ineficientes. A pobreza não é só material e financeira, é intelectual também. Muitos não têm noção da importância que tem dentro da sociedade, não entendem como o voto pode transformar a realidade em que vivem e se deixam levar por falsas promessas.
A desigualdade estimula o adolescente a adquirir bens materiais, não importa como, para assim se aproximar daqueles que possuem renda elevada. Eles não entendem porque uns podem ter tudo o que desejam e outros não podem ter nada, criando uma revolta interior, anestesiada quando se alcança o bem material. O caminho que será trilhado para conquistar este bem pode ser o roubo, a agressão ou até mesmo, matar se for preciso. Enquanto isso, o Estado está preocupado em cumprir as metas estabelecidas pelos organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional – FMI entre outros, reduzindo suas responsabilidades e transferindo-as para a própria sociedade e o terceiro setor. Alguns políticos, que são escolhidos para nos representar, criar as leis que organizam a nossa sociedade, estão preocupados mesmo em elaborar projetos, e legislações que favoreçam a si mesmos e não a sociedade.
Nesse contexto, o adolescente se desenvolve com uma visão equivocada de cidadão, reproduzindo nas suas vidas a idéia do ter sobre o ser. Muitos destes adolescentes não planejam estudar ou trabalhar para que sua trajetória de privação seja mudada. Desejam mesmo é adquirir tudo o que anseiam e ostentar, acreditam em uma realidade que não é a deles, como se essas mercadorias resolvessem todos os problemas. Portanto, o sistema sócio-econômico pode ser considerado como um fator que leva um adolescente a cometer um ato infracional, por que conduz as ações dos mesmos. Para adequar-se ao sistema vigente e a ideologia do ter ultrapassam até mesmo os limites impostos pelas leis.

4 – DA REPRESSÃO À PROTEÇÃO INTEGRAL

Ao longo do processo histórico brasileiro, as poucas políticas voltadas para o adolescente tinham o caráter repressor e a pobreza estava associada à criminalidade. Apenas em 1942, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor, com atendimento baseado em internação, o que revela o caráter repressor e correcional desse serviço.
Após o golpe militar de 1964, a política social era a forma de atender às necessidades básicas dos grupos mais vulneráveis da população. Foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM, instituição do governo federal na esfera da Previdência Social, para traçar a Política Nacional na área da infância e juventude.
A FUNABEM era o órgão federal e a Fundação do Bem-Estar do Menor – FEBEM, atual Fundação CASA – Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente, os órgãos executores nos estados, mudando o caráter correcional-repressivo para assistencialista, onde os adolescentes passaram a ser vistos como “carentes”, sendo necessário que o atendimento pudesse suprir tudo o que lhes havia sido negado no âmbito das relações sociais. No Código de Menores de 1979, os adolescentes carentes e os que cometiam atos infracionais, eram vistos como resultado de privações e desajustes familiares, necessitando de medida de proteção, que na maioria das vezes, se resumia em internação.
E assim, somente com a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, as crianças e adolescentes passaram a ser vistos como sujeito de direitos, considerados como pessoas em desenvolvimento e com prioridade na formulação de políticas públicas. Com isso, houve a revogação do Código de Menores, sendo estabelecida a Doutrina de Proteção Integral, denominada Sistema de Garantia de Direitos – SGD, uma rede de políticas articuladas para garantir o desenvolvimento pleno da criança e do adolescente. A SGD é composta de vários subsistemas, dentre eles destacamos o Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo – SINASE, que influencia e sofre influência dos demais subsistemas, tais como Saúde, Educação, Assistência Social, Justiça e Segurança Pública, portanto o SINASE é uma política pública direcionada à inclusão do adolescente em conflito com a lei às iniciativas dos diferentes campos das políticas públicas e sociais.
Assegurando os direitos dos adolescentes em conflito com a lei, que até então eram punidos e retirados da sociedade, sem que houvesse qualquer preocupação com seu desenvolvimento e sua reinserção. Para isso, o ECA estabeleceu as medidas socioeducativas, como instrumento para recuperação e ressocialização desse adolescente. É fundamental que haja a integração dessas medidas, nesse caso em especial, PSC com as demais políticas públicas, para que o adolescente infrator não seja privado de seus direitos e que suas necessidades básicas possam ser supridas adequadamente.
As políticas da área da Educação, Saúde e Assistência Social com acesso aos programas de transferência e geração de renda, capacitação profissional, entre outros, contribui para que as necessidades imediatas sejam supridas e permitindo, não só ao adolescente, mas para a família, a possibilidade de reinserção na sociedade e oportunidades para conquistar melhores condições de vida.
Atualmente, as políticas públicas não são específicas e destinadas somente ao adolescente infrator e sim, para os adolescentes como um todo, sem que haja qualquer distinção. No entanto, o não acesso às políticas sociais básicas contribui para o agravamento da condição de exclusão do adolescente brasileiro, pois lhes é negada a possibilidade de desenvolvimento pleno e saudável.



5 – A IMPORTÂNCIA DAS REFERÊNCIAS NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

A criança e o adolescente são seres em fase de desenvolvimento físico, psíquico e social, em processo de construção de caráter e personalidade.
Assim sendo, a família tem o papel fundamental de orientar, educar, cuidar e proteger, além de transmitir valores essenciais para a sua formação e socialização. É no seio familiar, que o adolescente deveria ter, garantida, a sua proteção, acolhimento e apoio necessário para o seu completo desenvolvimento físico, mental e espiritual, pois se entende o lar como um núcleo básico de formação, onde o adolescente efetiva seus laços de parentesco com indivíduos consangüíneos, ou não, e faz deste o seu modelo de identificação, entendendo o sentido de pertencer a um grupo social.
Do ponto de vista psicológico, atitudes de crianças e adolescentes podem ser modificadas através de novas informações, com o estabelecimento de novos vínculos, assim como a orientação para novos comportamentos e ações.
Portanto, quando um adolescente comete um ato infracional, são aplicadas medidas socioeducativas, pois, acredita-se na recuperação desse adolescente, através de medidas, que possibilitam a reinserção social, sendo assegurada a assistência de profissionais relacionados à área social, pedagógica e psicológica, fazendo valer seus direitos constitucionais e levando em conta sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
A efetivação da PSC pode contribuir para que o adolescente seja reinserido na sociedade, pois além de uma medida não privativa de sua liberdade, podendo ele manter seus vínculos sociais, fará com que ele interaja com a comunidade, possibilitando o despertar da consciência acerca das coisas alheias (espaço, bens e a própria vida), para a noção, de forma mais concreta, de seus atos, tendo a chance de partilhar valores e sentimentos ao mesmo tempo em que repara seu dano, sendo prestativo e útil, participando do processo de resgate de sua própria cidadania e adquirindo um resignificado para sua vida, contribuindo para a elevação de sua auto-estima, através do comprometimento da família, escola, comunidade, além do Estado.
Segundo Costa, médica pediatra, especialista em adolescência e doutorada pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP:

“Do ponto de vista da psicologia, todos possuímos o impulso da agressividade que pode se voltar ao mundo externo ou para o interior do próprio indivíduo.” (Costa e Souza, 2002, p. 441)

Dessa maneira, é a própria sociedade que lhe ensina e entrega todos os instrumentos para a prática da violência, quando não lhe proporciona um ambiente de igualdade, respeito por sua condição singular, suprimento de suas necessidades básicas como escola, alimentação, saúde, habitação, além de necessidades afetivas fundamentais como receber amor e carinho e saber o limite de seus poderes. Nesse contexto ele apenas devolve à sociedade aquilo que dela obteve, como em um círculo vicioso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudemos perceber que, baseados nos textos lidos e discutidos, que sempre houve, e ainda há, um descaso histórico da sociedade e do Estado em reconhecer que crianças e adolescentes sempre viveram a margem da sociedade, privadas de condições básicas para o seu desenvolvimento como cidadãos. A negligência e ineficácia das políticas públicas e o crescente envolvimento com o uso e o tráfico de drogas, resultaram em expor os nossos jovens a situações de riscos e ou estar em conflito com a lei. Oriundos em uma grande maioria de grupos familiares vulneráveis, vivendo em comunidades carentes, estes jovens se defrontam com dificuldades das mais diversas ordens, sofrendo inúmeras violações dos seus direitos garantidos na legislação.
A “ultra-generalização”, termo usado pela professora Myrian Veras Baptista, dos problemas que envolvem o adolescente em conflito com a lei manifesta o anseio de diversos setores da sociedade para redução da maioridade penal. Quem defende esta linha de raciocínio centraliza toda responsabilidade na criança e adolescente, desconsiderando fatores preponderantes que alimentam e reproduzem a violência, criminalizando e culpabilizando, a confinar cada vez mais cedo, os nossos adolescentes. Outras variáveis já lhe penalizaram e influem diretamente em seu comportamento violento, dentre as quais: a falta de investimento social, a miserabilidade em que se encontram, a falta de investimento na educação, medidas efetivas de prevenção contra violência no que diz respeito à Segurança Pública, o pouco investimento em esporte e lazer em áreas de risco, as dificuldades vivenciadas no âmbito familiar e comunitário, podem ser identificados como algumas mazelas deste processo estarrecedor de violência contra a criança e o adolescente. Esta pesquisa destacou a importância das medidas socioeducativas com ênfase na prestação de serviços a comunidade - PSC que tem como objetivo restabelecer e fortalecer os vínculos familiares e comunitários por meio de assistência digna e promotora de direitos. Elaborada como intuito de resgatar a cidadania dos adolescentes com a parceria entre Estado, família e sociedade em compreendê-las no que se refere ao resgate da sua autonomia, utilizando todos os recursos operacionais para que suas possibilidades como cidadão sujeitos e formadores de direitos se desenvolvam.
Constatamos a relevância da definição de prioridades para garantir a eficácia da PSC, fortalecer as instâncias jurídicas no acompanhamento das políticas públicas sociais e protetivas na atuação da defesa e proteção de direitos, efetivação plena do ECA em todas as suas dimensões e potencialidades dentro da sociedade, garantir um sistema de educação pública que favoreça sua cidadania, sua capacitação para o mercado de trabalho, acompanhamento sistemático na aplicação das medidas, capacitação das instituições e de equipe técnica multidisciplinares com o comprometimento de seu resgate junto à comunidade, fiscalização permanente do Estado e da sociedade nas medidas socioeducativas integrados com a família construindo laços sociais positivos de convivência saudável com outras pessoas (agentes educadores) que o habilite a retomar o convívio social.
Defender e divulgar o ECA são ações de suma importância para dar continuidade à luta pela implantação dos direitos desse segmento excluído da sociedade. Resgatar o adolescente em conflito com a lei dentro de suas possibilidades de formação integral, dar novas informações com estudos de qualidades e dignos para sua formação, respeitar a sua cidadania e a pluralidade social em que está inserido cultural e economicamente.
Portanto, apesar do avanço na implantação da PSC é necessária a articulação e integração entre os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público, com a implantação dos Núcleos de Atendimento Integral ao Adolescente – NAI, contribuindo para a agilização nos processos e diminuir a sensação de impunidade, capacitação dos profissionais, preparando-os para a realidade vivida pelos adolescentes brasileiros, sem estigmatizá-los ou discriminá-los por sua condição.
A redução da maioridade penal não irá resolver os contextos pré-existentes em nossa sociedade, já que retira o adolescente do seu convívio social e não busca solução para os mesmos. Assim, acreditamos que, por meio da PSC pode-se alcançar o desenvolvimento pleno e saudável, contribuindo para a recuperação e a reinserção do adolescente na sociedade, sendo visto não mais como autor de ato infracional e sim, como cidadão, o que caracteriza a efetivação desta medida.


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sábado, 21 de novembro de 2009

ASSISTÊNCIA SOCIAL NA SAÚDE E OS DIREITOS DOS PORTADORES DE HIV/AIDS - REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PROFISSIONAL

Autores:
Adeildo Vila Nova, Dalila Viana Motoso,
Maria das Graças Santana Machado e Regiane da Silva*


Resumo: Este artigo é o resultado do Trabalho Interdisciplinar Dirigido – TIDIR. Trata-se de um estudo e reflexão sobre a prática profissional dos assistentes sociais na área de saúde em serviços especializados de assistência aos portadores de HIV/Aids e tem como referência, além do vasto material bibliográfico, entrevistas realizadas com duas profissionais de Serviço Social. Contextualiza e configura a prática profissional na problemática da Aids, dando ênfase a ação diária do profissional. É neste contexto e na perspectiva de uma intervenção efetiva que possibilite o acesso aos direitos - serviços e tratamentos - que este artigo se propõe a discutir de que forma o profissional do Serviço Social pode contribuir para a garantia destes direitos e para um tratamento humano, digno e de qualidade para os portadores do HIV/Aids.

Palavras-chave: HIV/Aids, Serviço Social, Proteção Social, vulnerabilidade, direitos, projeto ético-político profissional.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS já tem quase 30 anos de descoberta no Brasil. No início, era considerada a doença dos drogados, dos gays e das prostitutas, os considerados "grupos de risco". Este conceito equivocado, que foi abolido na atualidade, pois entende-se que não há mais um grupo específico de risco, mas situações e/ou aspectos sociais de risco, dificultou a prevenção e a alerta à população. O que acabou provocando a disseminação da doença nos segmentos mais vulneráveis e pauperizados da sociedade brasileira como: as mulheres, os jovens e os usuários de drogas. Todos nós estamos sujeitos ao contágio, independentemente de classes sociais, raça/etnia, sexo ou convicção religiosa. Para o controle da doença é fundamental evitar situações de risco como manter relações sexuais sem preservativo, não usar material descartável em procedimentos cirúrgicos, hospitalares, em tatuagens, compartilhar seringas no uso de drogas injetáveis entre outros.
Neste contexto, os pacientes soropositivos vivenciam cotidianamente situações de caráter emocional e social que os desmotiva para o enfrentamento da doença no que se refere ao tratamento anti-retroviral, nas relações sociais, familiares e afetivas. Além disso, a Aids continua sendo uma doença estigmatizante e lastreada de preconceito e discriminação.
Assim o assistente social tem um papel fundamental na assistência aos portadores de HIV/Aids. O assistente social como profissional tem que ter uma abrangente visão social e desenvolve sua prática no cotidiano dos usuários, vai construindo possibilidades, desenvolve suas potencialidades no sentido de diminuir sua vulnerabilidade frente à doença e à sociedade, facilitar o acesso aos serviços públicos e promover sua inserção na sociedade. Trabalha seus medos, suas angústias, suas dúvidas e dificuldades frente ao diagnóstico da doença.
Em seu trabalho com o usuário, o assistente social orienta o mesmo sobre os seus direitos (trabalhistas, previdenciários, medicamentos entre outros), buscando fortalecer sua autonomia e cidadania. Ainda nesta perspectiva de fortalecimento do usuário, a prática profissional se dá no sentido de assessorar os movimentos sociais e seus participantes, auxiliar na mobilização e organização dos mesmos e na sua articulação com o Poder Público.
O assistente social desenvolve sua prática diária utilizando diversos processos técnico-operativos (prontuário único, entrevistas, acolhimento etc.) que possibilitam uma maior aproximação com a realidade vivenciada pelo usuário e também uma identificação das vulnerabilidades a que este está sujeito. Sua prática está pautada pelo atual projeto ético-político profissional, constituído de princípios e diretrizes que reconhecem os usuários como sujeitos de direitos e não como meros recebedores de favores.

1 – PROTEÇÃO SOCIAL: POBREZA E PRECONCEITO

A situação social que o Brasil enfrentou durante a segunda metade do século XX imprimiu em nossa sociedade duas marcas significativamente negativas: uma das estrutura sociais mais desiguais dos países de alto e médio desenvolvimento e um incompleto sistema de proteção social, frágil e incapaz de modificar positivamente os indicadores da desigualdade e da exclusão social. Mas não podemos deixar de registrar uma das mais importantes, se não a mais importante que foi, já nos anos 80, os primeiros movimentos de mudanças, orientados por uma agenda democrática de reforma social que defendia a democratização das políticas sociais e a melhoria e eficácia do gasto social, trazendo para as políticas sociais um novo ordenamento que desse respostas às necessidades da sociedade, com eqüidade e aumento da democracia social. Este processo culminou na inclusão das demandas por direito de participação social na Constituição Federal de 1988, instituindo-se um sistema de proteção social que integra as políticas da assistência, da previdência social e da saúde, tendo neste último o Sistema Único de Saúde – SUS como forma de acesso universal aos serviços, diferentemente da previdência social que condiciona o benefício à contribuição financeira, descontado do salário do trabalhador e/ou parte do empregador e da assistência social que estabelece critérios de acesso, seleção e com uma atenção focalizada.
O sistema de proteção social desenvolve-se no debate sobre as causas e a busca de alternativas e estratégias para o combate à pobreza da classe trabalhadora, contribuindo com a exploração da força de trabalho, sua reprodução, bem como sua manutenção. A preocupação não estava na eliminação das situações de miséria e vulnerabilidade absoluta, mas na integração e participação deste trabalhador, do indivíduo pobre na dinâmica da sociedade, garantindo-lhe uma renda mínima, indispensável para esta integração baseada no consumo e na reprodução do capital.
A presença dos pobres e a pobreza são vistos como uma coisa comum, natural, banal na nossa atual sociedade. A violência da pobreza constitui parte de nossa experiência diária na sociedade contemporânea. (YAZBECK, 2006:61) As marcas exteriores causadas pelos impactos de uma sociedade capitalista e deixadas sobre os pobres como o desemprego, a saúde precária, a insalubridade, a falta e/ou precariedade de moradias, a alimentação precária e insuficiente, a ignorância e a resignação mostram os limites da condição de vida dos excluídos e subalternizados da sociedade. Mas também nos mostram como somos tolerantes e incapazes de intervir para minimizar ou acabar com esta situação de miséria. Não bastando esta situação de exposição permanente aos riscos sociais, de vulnerabilidade , a pobreza serve como pano de fundo para uma série de infortúnios e para justificar a sua desqualificação, ou por qualquer iniciativa de manifestação como seu modo de pensar, de agir, de falar, de vestir, de suas crenças ou de qualquer coisa que esteja relacionada com a sua classe social. Estas circunstâncias desvelam tudo o que a sociedade faz questão de esconder, que é a sua face preconceituosa , discriminatória e excludente.
As políticas sociais, através do sistema de proteção social, são respostas às conseqüências de um modelo de desenvolvimento pautado na exploração da força de trabalho e do acúmulo de capital que foi adotado no Brasil, produzindo um contingente considerável de excluídos do mercado de trabalho formal que, automaticamente, perde seus direitos sociais básicos, já que estes estão atrelados ao contrato de trabalho, restando aos demais, mercado informal, e outros que buscam estratégias de sobrevivência, ficar à mercê das políticas sociais que define quais, entre os pobres, são os miseráveis e escolhidos para receber o benefício irrisório. Forma-se assim uma massa de pessoas necessitadas, desamparadas e o que é pior, expostas à toda e qualquer sorte, além de ter que conviver com o preconceito e a discriminação da sociedade, como vimos anteriormente.
Se somarmos a todas estas circunstâncias o fato de a pessoa ser acometida por doenças crônicas e/ou sexualmente transmissíveis, especificamente o HIV/Aids, que desde de seu surgimento sempre foi cercado por uma série de preconceitos e informações distorcidas e discriminatórias, especialmente no que se refere à orientação sexual, a situação se agudiza ainda mais. Pois é certo afirmar que situações de privação financeira, aspectos sociais, além da pobreza são situações férteis, situações de vulnerabilidade às quais estão expostos todos os pobres e/ou despossuídos de bens materiais e de serviços.
A questão da pobreza passa por outros aspectos sócio-econômicos e politico-culturais que extrapolam o alcance dos programas e políticas de proteção social. Passa por uma revisão de valores e de estratégias que, de fato, transformem positivamente a realidade social das classes desfavorecidas e despossuídas, vulneráveis aos riscos sociais que se apresentam no seu cotidiano. Despossuídas não só de recursos financeiros, econômicos, culturais ou educacionais, mas de auto-estima, inclusão social, do sentimento de pertencimento, de participação social efetiva.

2 – AIDS NO BRASIL E SERVIÇO SOCIAL

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS, doença que mata destruindo a capacidade do organismo para combater infecções, já tem quase 30 anos no Brasil, desde que foi descoberta. A primeira a apontar casos de AIDS no Brasil foi a pesquisadora e dermatologista Valéria Petri. Desde então, são mais de 470 mil casos registrados da doença, segundo dados do Ministério da Saúde.
Quando descoberta em 1980, a AIDS foi rotulada de doença de drogados, gays e prostitutas (os então chamados grupos de risco). Este era um conceito errado que acabou prejudicando ainda mais a prevenção e alerta da população provocando nas pessoas fora destes grupos, a falsa sensação de segurança e reforçando os estigmas e preconceitos. Posteriormente, a epidemia evoluiu para as mulheres, os jovens, os idosos e os usuários de drogas.
O Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV é o causador da AIDS. Ele pode ficar até 8 anos sem se manifestar. Em 1985 a doença já havia provocado 181 mortes no Brasil, 133 delas em São Paulo e o restante no Rio de Janeiro. Segundo dados do Ministério da Saúde (2000), tem ocorrido uma feminização, heterossexualização, jovialização, interiorização e pauperização.
Atualmente, não existe o conceito de um grupo de risco, mas sim aspectos sociais que propiciam a exposição ao HIV/Aids. É importante destacar que desta forma, todos nós estamos vulneráveis à doença, independentemente da classe social, sexo, orientação sexual, ou convicção religiosa.
Nesta problemática, o assistente social tem um papel fundamental na assistência aos portadores de HIV/Aids. Quando estes usuários chegam ao serviço, o primeiro passo é o acolhimento e entrevistas com informações sobre a doença, exclusão de direitos, orientação jurídica sobre herança, litígio, direitos previdenciários e trabalhistas como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, PIS/PASEP e educação financeira. Ainda no acolhimento, os profissionais trabalham algumas questões subjetivas como os medos, as angústias, preconceitos, valorização da auto-estima, identificação das dificuldades, desmistificação de fantasmas como a questão dos medicamentos e da morte.

Como afirma a assistente social A:

“A AIDS tem várias mortes, que são trabalhadas o tempo inteiro, a primeira é o diagnóstico, pois é uma doença crônica; a segunda é a questão da imunidade quando esta apresenta-se baixa. A morte é algo que o profissional trabalha sempre, mas é preciso trabalhar as perspectivas de vida”.


De acordo com a necessidade do paciente, o assistente social encaminha o usuário para profissionais de saúde como: psicólogos, nutricionistas, dermatologistas e entidades não governamentais e governamentais para atendimentos ambulatoriais, grupos de apoio e suporte jurídico e, em casos excepcionais, para o fornecimento de cestas básicas. Todas as informações e atendimentos são registrados em prontuário único.
No que se refere a adesão ao tratamento, ambas assistentes sociais disseram que o paciente adere bem ao serviço, mas ao tratamento a adesão é mais complicada, pois são vários os medicamentos que devem ser tomados à longo prazo, o que exige do paciente uma reorganização na sua rotina diária . Visando uma maior adesão ao tratamento, as profissionais relataram que desenvolvem estratégias como: reuniões com os usuários para conscientizá-los da importância do tratamento, utilizando figuras, linguagem adequada ao perfil do usuário, treino de medicamento, onde o profissional auxilia no horário e maneira adequada de tomar a medicação. Em alguns casos conversam com o médico para verificar a possibilidade de adaptação dos horários da medicação com a rotina dos pacientes.
Os profissionais de diversas áreas devem analisar o usuário em todo seu histórico de atendimento institucional, trabalhando em todas as dificuldades apresentadas pelo mesmo.
Como relatamos anteriormente, a AIDS é uma doença extremamente estigmatizante, na qual a exposição da doença ocorre nos grupos mais pauperizados da população. Esta exposição é resultado de um conjunto de aspectos e indicadores sociais como: exclusão, poucas oportunidades de renda própria, baixa escolaridade, classe social, gênero e faixa etária.

Conforme afirmação da assistente social A:

“Os principais indicadores que envolve a questão da AIDS são a renda e a escolaridade. "


De acordo com a mesma, a questão da renda envolve questões de miserabilidade e vulnerabilidade, pois alguns usuários que chegam aos serviços não têm renda própria, vivem em situação de rua e a maioria possui renda proveniente de meios ilícitos como o tráfico de entorpecentes etc. Quanto à escolaridade, a profissional coloca que o divisor da AIDS é ter 7 anos de estudos.

3 – MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICAS SOCIAIS E ASSISTÊNCIA SOCIAL

As lutas contra a AIDS no Brasil surgiram na década de 80, junto com a luta pelo fim da ditadura militar e pela redemocratização do país. No início de 1983, representantes de homossexuais e delegações de hemofílicos começaram a exercer pressão sobre o Estado para que este assumisse posições mais efetivas frente a questão da AIDS.
No enfrentamento do HIV/Aids é inegável o papel desempenhado pelas organizações não-governamentais - ONG's, que são reconhecidas internacionalmente pela grande importância no controle desta epidemia.
Em 1985, centenas de casos de AIDS eram conhecidos no Brasil e crescia a pressão dos movimentos sociais. O Ministério da Saúde reconheceu a AIDS como um problema emergente de Saúde Pública no país culminando na criação do Programa Nacional de DST/Aids, com a tripla missão institucional de coordenação, elaboração de normas técnicas e formulação de políticas públicas na sua área de abrangência para o combate à epidemia.
Com o Programa e com a ampliação das ONG's/Aids no Brasil, houve realização de encontros macro-regionais e nacionais de AIDS, com o objetivo de implantar ações programáticas para o controle à epidemia e formulação de novos programas e políticas públicas. Posteriormente, houve a criação dos Fóruns Estaduais, Municipais e dos Encontros Estaduais, Regionais e Nacional de AIDS, que contavam com a participação dos soropositivos, fundamental para a redução do estigma e preconceito e ampliou a participação das demais representações em diferentes instâncias de articulação e controle social como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Comissão Nacional de AIDS (CNAIDS) dentre outras.
Os movimentos sociais organizados de AIDS conseguiram transformar grande parte de suas reivindicações em leis e instruções normativas. Dentre essas garantias estão o acesso universal a medicamentos anti-retrovirais; o acesso à cirurgia de preenchimento facial para pessoas afetadas por lipodistrofia (acúmulo ou perda de gordura em áreas localizadas do corpo); além da proibição da comercialização de sangue e de hemoderivados.
Nesses movimentos sociais, a participação dos portadores de HIV/Aids foi fundamental e contribuiu para a redução do estigma e preconceito contra os soropositivos. Não podemos esquecer a capacidade destes movimentos de empoderar os sujeitos na luta pelos seus direitos.
Nesta questão do empoderamento e dos movimentos sociais é importante a prática do profissional de Serviço Social. Estes profissionais começaram como militantes dos movimentos da Reforma Sanitária e foram assessorando os participantes dos movimentos. Sua inserção se deu no sentido de auxiliar os grupos envolvidos com estes movimentos no enfrentamento de problemas específicos, na mobilização e organização dos movimentos, bem como na articulação entre os movimentos e o Poder Público. Eles trabalham a questão do empoderamento, fortalecendo a cidadania e a autonomia dos usuários e possíveis integrantes do movimento, potencializando a participação política na formulação de diretrizes governamentais, na organização de serviços e de projetos comunitários.
A prática profissional do assistente social se dá de forma que haja uma reflexão compartilhada com a população, disponibilizando o seu conhecimento crítico-profissional aos movimentos.

Conforme aponta a assistente social A:

"O profissional incentiva na questão de abaixo-assinados, dá suporte técnico para os movimentos, passeatas e manifestações. Não negligencia o direito do usuário".


E reafirma a assistente social B:

"Trabalhamos a questão da responsabilização, orientamos sobre direitos e deveres. O movimento tem que partir do usuário, mobilizando-os para ir em busca de melhoria e da garantia de seus direitos".


O assistente social apresenta condições teórico-metodológicas e ético-políticas de potencializar a mobilização popular, com vistas a fortalecer a luta pela garantia e ampliação dos direitos sociais e atua na formulação, gestão e execução de políticas públicas.

4 – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS

A 8ª Conferência Nacional de Saúde, aberta em 17 de março de 1986, foi um marco na história do Sistema Único de Saúde – SUS e a primeira aberta à participação da sociedade, além de um importante propagador dos Movimentos Sociais da Reforma Sanitária. Resultou na implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde – SUDS e em um convênio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS que havia passado por uma grande crise no financiamento da Previdência Social causada pelo fim do milagre econômico, na década de 70. O mais importante nesse processo foi a formação de bases para a secção “Da Saúde”, na Constituição Federal de 1988, definindo a saúde pública como um “direito de todos e dever do Estado”.
A implantação do SUS foi realizada gradualmente, primeiro veio o SUDS, depois a incorporação do INAMPS ao Ministério da Saúde e por fim, a Lei Orgânica da Saúde (lei nº 8080/90) fundou o Sistema Único de Saúde. Logo em seguida, a lei nº 8142/90 estabeleceu ao SUS uma de suas principais características, o controle social, ou seja, a participação dos usuários, da população na gestão dos serviços. Em 27 de julho de 1993 o INAMPS foi extinto através da lei nº 8689.
O Sistema Único de Saúde – SUS tem como princípio a universalidade do acesso aos serviços, o que significa atender a todos os cidadãos, independentemente de contribuírem ou não com a Previdência Social. Outro princípio é o da integralidade com ações e serviços de proteção, tratamento e a reabilitação da saúde. O princípio da eqüidade garante que, em função das diferenças sociais e regionais, os recursos deverão ser distribuídos de forma a favorecer aos que mais necessitam de unidades e de atenção. Destaque também para descentralização, objetivando a municipalização das ações e serviços da saúde, em busca do atendimento integral e com os serviços dispostos de maneira regionalizada, atendendo as especificidades de cada região. O controle social merece destaque nestes princípios, pois é a garantia da participação da sociedade na gestão dos serviços e na aplicação dos recursos, através de uma gestão compartilhada e democrática nas decisões, tendo como meio os Conselhos Estaduais, Municipais e Nacional de Saúde.

5 – SAÚDE, MEDICAÇÕES E DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da infecção pelo HIV é feito por meio de testes, realizados a partir da coleta de uma amostra de sangue e podem ser realizados em Unidades Básicas de Saúde, em Centros de Testagem e Aconselhamento – CTA's e em laboratórios particulares. Nos CTA's, o teste anti-HIV pode ser feito de forma anônima e gratuita, pertencem à rede pública de saúde. Nestes centros também há um processo de acompanhamento antes e depois do teste, feito de forma cuidadosa com a finalidade de facilitar a correta interpretação do resultado, tanto pelo profissional de saúde como pelo paciente, buscando avaliar a vulnerabilidade do sujeito ao HIV. Todos os testes devem ser realizados de acordo com a norma definida pelo Ministério da Saúde e com produtos registrados na Agência Nacional da Vigilância Sanitária – ANVISA/MS e por ela controlados.
Os exames habituais (Elisa e Western Blot) detectam anticorpos contra o HIV produzidos pelo sistema imune do hospedeiro. Desta forma, existe um período (chamado de janela imunológica) em que o indivíduo pode estar infectado, sem no entanto, ter estabelecido ainda uma taxa de anticorpos em quantidade detectável. Assim, o indivíduo com infecção recente ainda não detectável pelos exames habituais pode transmitir o vírus, uma vez que esse já pode estar circulante no sangue e ser eliminado nas secreções. Além disso, na fase inicial da infecção, as taxas de vírus circulantes podem ser altas, uma vez que a resposta de defesa do hospedeiro ainda não está estruturada.
O teste sorológico para HIV/Aids pode ser realizado em laboratórios clínicos particulares. Porém o ideal é realizar o exame após consulta e aconselhamento por profissionais de saúde capacitados para aconselhamento. A testagem compulsória é proibida por lei e isso vale também para esses casos. Mesmo no caso das cirurgias, não há necessidade de o paciente revelar que é soropositivo. O médico também é proibido de pedir exame anti-HIV.
Durante o pré-natal toda gestante tem o direito é deve realizar o teste HIV. Quanto mais precoce o diagnóstico da infecção pelo HIV na gestante, maiores são as chances de evitar a transmissão para o bebê e de garantir uma melhor qualidade de vida para a gestante. O tratamento é gratuito e está disponível no SUS. A transmissão vertical do HIV é denominada quando a criança é infectada pelo vírus do HIV durante a gestação, o parto ou por meio da amamentação.
O direito à vida e ao tratamento médico adequado são um direito reconhecido pela Constituição Federal, artigo 196. Além disso, segundo a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1359/92, o atendimento profissional aos portadores do vírus do HIV é um imperativo moral da profissão médica e nenhum médico, instituição pública ou privada pode recusá-lo.
A Lei 9313/96 – chamada de Lei Sarney – estabelece a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores de HIV. Porém a Constituição Federal, em seu artigo 196, diz “saúde é direito de todos e dever do Estado” e a Lei 8080/90, no artigo 6º - Lei do Sistema Único de Saúde – SUS prevê a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. É sugerido que o paciente quando não consegue encontrar os medicamentos necessários ao seu tratamento, deve procurar o Programa Municipal ou Estadual de DST/Aids de sua cidade com a receita médica para verificar as possibilidades e os encaminhamentos para recebê-los gratuitamente. Todos os profissionais de saúde são obrigados a notificar à vigilância epidemiológica os casos de contágio pelo HIV para que se possa comprar remédios e prever ações de assistência a essas pessoas. Porém o profissional não pode revelar fatos ou diagnósticos sobre o paciente a ninguém. É preciso considerar que diversos aspectos contribuem para a suscetibilidade das pessoas ao HIV. São fatores de ordem social, econômica, política e jurídica que fazem com que diferentes pessoas ou grupos disponham de possibilidades diferentes de proteger-se dos riscos de infecção pelo HIV. A desigualdade de poder entre homens e mulheres, por exemplo, pode dificultar a negociação do uso do preservativo nas relações heterossexuais. Da mesma forma, o preconceito contra homossexuais e profissionais do sexo pode limitar o acesso desses grupos ao serviço de saúde e de educação e comprometer a obtenção de informações e de insumos de prevenção.
Um atendimento de qualidade pressupõe ações tecnicamente qualificadas e organizadas de forma a respeitar a diversidade e promover uma relação de confiança entre usuários e equipe de saúde. Para tanto, os serviços de referência contam com assistentes sociais que devem ter habilidade para escutar, compreender e compartilhar decisões com as pessoas que vivem com HIV/Aids de forma clara e acessível, evitando emitir juízo de valor que possa levar a atitudes preconceituosas e discriminatórias.

(...) somos profissionais que chegamos o mais próximo possível do cenário da vida cotidiana das pessoas com as quais trabalhamos. O que para muitas profissões é relato, para nós é vivência, o que para muitos profissionais é informação, para nós são fatos, plenos de vida, saturados de história. (Martinelli, 1997, in Narciso, Medina e Pereira)


Os vínculos de confiança estabelecidos entre a equipe e o usuário facilitam o acompanhamento e a adesão ao serviço. Um bom atendimento faz com que ele se sinta seguro, respeitado e tenha confiança para expressar dúvidas relacionadas ao viver com HIV/Aids.

6 – DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS DOS PORTADORES DO HIV/AIDS

Os atuais desafios do portadores do HIV/AIDS é a garantia dos direitos de cidadania, pois com a chegada da medicação anti-retrovirais – ARV, a qualidade de vida melhorou significativamente. Hoje, o trabalhador portador do HIV é mais consciente e reivindica seus direitos. No caso dos direitos trabalhistas, o portador do HIV não é obrigado a dizer ao médico admissional a sua sorologia positiva e nem mesmo em nenhum momento a empresa pode exigir o exame anti-HIV para admissão ou permanência no trabalho, não podendo ser demitido tão somente por ser enfermo ou portador da HIV. O portador de HIV tem direito de levantar os valores depositados em nome da pessoa a título de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e sacar estes valores, independentemente da rescisão do contrato de trabalho ou de comunicação ao empregador. O trabalhador já doente de AIDS também pode receber os valores do PIS/PASEP e também efetuar o levantamento do mesmo.
Devido à luta dos pacientes em movimentos sociais organizados, a Previdência avançou e novas Normas Técnicas a colocam mais próxima do cidadão para garantir os direitos dos portadores do HIV/Aids. A concessão do benefício é garantida quando a atividade traz prejuízo à saúde do soropositivo, mas para ter direito, é necessário também que o soropositivo já seja um contribuinte. Por isso o portador do HIV deve pagar o INSS, ainda como autônomo, para no futuro ter direito ao auxílio-doença e/ou qualquer outro benefício previdenciário como: Benefício de Prestação Continuada - BPC, aposentadoria por invalidez, pensão por morte entre outros, se for acometido de alguma doença oportunista e ficar incapacitado para o trabalho por algum tempo.
No acesso aos benefícios previdenciários, a assistente social A relata que "uma das grandes dificuldades e também um desafio da prática profissional é a questão da burocracia que acaba impedindo que muitos usuários tenham acesso aos benefícios e programas e também devido a morosidade dos procedimentos".
Outro desafio que se coloca é a subjetividade da perícia, na qual muitos usuários têm a necessidade de receber os benefícios e não conseguem passar na perícia. Nesse sentido é preciso que haja um treinamento, uma capacitação profissional para estabelecer procedimentos e normas objetivas para garantir o acesso aos benefícios.

7 - PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL: DIFICULDADES E DESAFIOS

Dimensão política, que constitui a construção de uma nova ordem social sem dominação, exploração de classe, gênero, etnia e a dimensão profissional que envolve a defesa dos Direitos Humanos, recusa ao autoritarismo, ao preconceito, reconhecimento do pluralismo e o Código de Ética que defende a eqüidade e justiça social e a consolidação da democracia são princípios fundamentais para o desenvolvimento da prática profissional, que tem por objetivo promover a emancipação, autonomia e empoderamento do usuário.
Neste sentido afirma José Paulo Netto, no que se refere ao projeto ético-político profissional:

“(...) envolve um conjunto de componentes articulados, como valores, saberes escolhas teóricas, práticas ideológicas, políticas, éticas, normatizações acerca de direitos e deveres, recursos político-organizativos, processos de debates, investigações, interlocução crítica com o movimento da sociedade da qual a profissão é parte e expressão.”

Na sua prática diária, o profissional encontra dificuldades e desafios, no que se refere ao atual projeto ético-político profissional que busca a consolidação de uma sociedade mais justa e igualitária bem como a emancipação do usuário.
As dificuldades para a efetiva consolidação do projeto ético-político profissional apontadas pelas assistentes sociais são: falta de recursos financeiros para os serviços e programas, excesso de burocracia para acesso aos serviços e benefícios, carência de retaguarda social (casas de apoio, cestas básicas etc), falta de capacitação profissional, insuficiência dos programas sociais, falta de escolas acolhedoras.
Quanto aos desafios, colocam que é difícil estabelecer parcerias, articulação com secretarias/órgãos públicos e a sociedade, mobilização dos pacientes, burlar a burocracia, capacitação profissional para os entes envolvidos no atendimento ao usuário.
As profissionais afirmaram que o compromisso ético-político profissional é de: propiciar um atendimento humanizado aos seus usuários, alteridade (se colocar no lugar do outro), melhorar a qualidade de vida das pessoas, auxiliar as pessoas o máximo possível, compromisso com a prática profissional e o usuário, clareza do papel profissional, fazer a diferença, trabalhar na perspectiva de garantia e ampliação de direitos, dignidade e respeito ao usuário, conscientização e sensibilização da população na vivência com soropositivos, se aprofundar nos conhecimentos da sua área de atuação, não negligenciar os direitos do usuário.
Entendemos que há uma distância entre o projeto ético-político profissional e a prática colocada pelas profissionais, pois ao mesmo tempo em que as profissionais entendem o compromisso que têm com o usuário, as relações sociais e as correlações de forças no âmbito institucional e no próprio contexto social, além da própria postura profissional percebida em ambas, não permitem mudanças significativas no status quo. Assim o projeto ético-político profissional fica parcialmente comprometido com a sua atual finalidade, conforme relatamos anteriormente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A garantia de acesso ao tratamento médico para o portador do HIV/Aids no Brasil é uma conquista dos movimentos sociais que se iniciou com a Reforma Sanitária. Porém este acesso precisa ser mediado por algumas instituições e mecanismos burocráticos que, por vezes, não é resolvido em tempo hábil para o paciente soropositivo. É neste contexto e na perspectiva de uma intervenção efetiva que possibilite o acesso aos direitos - serviços e tratamentos - que este artigo se propôs a discutir de que forma o profissional do Serviço Social pode contribuir para a garantia destes direitos e para um tratamento humano, digno e de qualidade para os portadores do HIV/Aids.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, segundo consta na Constituição Federal. Assim, o Estado deve disponibilizar um serviço de saúde de qualidade e condições de vida digna para os seus cidadãos, visando a sua proteção e evitando situações de vulnerabilidade e exposição ao HIV/Aids.
De acordo com alguns autores pesquisadores e estudiosos, o modelo universal de políticas sociais definidos na Constituição de 1988 não tem beneficiado a parcela mais pobre da população brasileira e é ineficiente e incapaz no combate à pobreza e às desigualdades sociais. (BARROS e FOGUEL, 2000)
A infecção com o vírus HIV e o adoecimento por AIDS não está vinculado apenas à vontade dos indivíduos, mas faz parte de um conjunto de aspectos sociais que foge do seu controle, pois as condições de vida a que estão submetidos oportuniza graus de vulnerabilidade para infecção do HIV/Aids.
Portanto, a responsabilidade pelo surgimento dos casos de HIV/Aids não deve ser única e exclusiva dos sujeitos, mas deve ser compartilhada com o Estado, que não ofereceu condições dignas de sobrevivência aos seus cidadãos e nem oportunidades suficientes para o seu esclarecimento sobre a doença e sua emancipação financeira.
O assistente social vivencia dilemas e desafios na implementação das ações demandadas pelos usuários. Defronta-se com as mais diferentes formas de manifestações e enfrentamento da doença pelo usuário e suas famílias.
O papel do Assistente Social é o de esclarecer junto aos usuários seus direitos sociais e os meios de acessá-los e o de estabelecer, conjuntamente a estes, o processo de solução dos problemas, que ocorrem na sua ação diária com o usuário. Em sua ação interventiva, o profissional de Serviço Social tem como prioridade assegurar o direito de acesso aos benefícios e na contribuição para a formação de uma consciência de proteção social junto ao Poder Público. O perfil social e epidemiológico da AIDS impõe ao assistente social uma necessidade de repensar a forma de atuação e que se tenha uma leitura da doença de forma mais aprofundada. As exigências institucionais e as carências demonstradas pelos usuários exigem ao profissional uma visão macro do problema e uma interpretação do contexto que permita uma intervenção adequada a cada situação apresentada.
É necessário ressaltar que todos nós estamos vulneráveis à doença. Desta forma, a prevenção constitui um foco importante no combate e enfrentamento da doença. É preciso que haja maior informação sobre a doença e suas formas de transmissão, articulação em rede, campanhas e programas de prevenção para uma maior conscientização das pessoas e a diminuição de estigmas, preconceitos e discriminação.
Entendemos que para a consolidação do projeto ético-político profissional é necessário que os profissionais façam leituras críticas da realidade, do contexto social, das conjunturas sociais, econômicas e políticas para que não permitam que as relações sociais e as correlações de força interfiram no projeto de uma sociedade mais justa e igualitária, pautada na autonomia e emancipação política, social, econômica, cultural, ideológica e humana dos nossos usuários, que têm seus direitos de cidadania constantemente violados e vilipendiados por um sistema que não os reconhece como um cidadão de fato e de direito.

Bibliografia/Referência Bibliográficas

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