sábado, 21 de novembro de 2009

ASSISTÊNCIA SOCIAL NA SAÚDE E OS DIREITOS DOS PORTADORES DE HIV/AIDS - REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PROFISSIONAL

Autores:
Adeildo Vila Nova, Dalila Viana Motoso,
Maria das Graças Santana Machado e Regiane da Silva*


Resumo: Este artigo é o resultado do Trabalho Interdisciplinar Dirigido – TIDIR. Trata-se de um estudo e reflexão sobre a prática profissional dos assistentes sociais na área de saúde em serviços especializados de assistência aos portadores de HIV/Aids e tem como referência, além do vasto material bibliográfico, entrevistas realizadas com duas profissionais de Serviço Social. Contextualiza e configura a prática profissional na problemática da Aids, dando ênfase a ação diária do profissional. É neste contexto e na perspectiva de uma intervenção efetiva que possibilite o acesso aos direitos - serviços e tratamentos - que este artigo se propõe a discutir de que forma o profissional do Serviço Social pode contribuir para a garantia destes direitos e para um tratamento humano, digno e de qualidade para os portadores do HIV/Aids.

Palavras-chave: HIV/Aids, Serviço Social, Proteção Social, vulnerabilidade, direitos, projeto ético-político profissional.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS já tem quase 30 anos de descoberta no Brasil. No início, era considerada a doença dos drogados, dos gays e das prostitutas, os considerados "grupos de risco". Este conceito equivocado, que foi abolido na atualidade, pois entende-se que não há mais um grupo específico de risco, mas situações e/ou aspectos sociais de risco, dificultou a prevenção e a alerta à população. O que acabou provocando a disseminação da doença nos segmentos mais vulneráveis e pauperizados da sociedade brasileira como: as mulheres, os jovens e os usuários de drogas. Todos nós estamos sujeitos ao contágio, independentemente de classes sociais, raça/etnia, sexo ou convicção religiosa. Para o controle da doença é fundamental evitar situações de risco como manter relações sexuais sem preservativo, não usar material descartável em procedimentos cirúrgicos, hospitalares, em tatuagens, compartilhar seringas no uso de drogas injetáveis entre outros.
Neste contexto, os pacientes soropositivos vivenciam cotidianamente situações de caráter emocional e social que os desmotiva para o enfrentamento da doença no que se refere ao tratamento anti-retroviral, nas relações sociais, familiares e afetivas. Além disso, a Aids continua sendo uma doença estigmatizante e lastreada de preconceito e discriminação.
Assim o assistente social tem um papel fundamental na assistência aos portadores de HIV/Aids. O assistente social como profissional tem que ter uma abrangente visão social e desenvolve sua prática no cotidiano dos usuários, vai construindo possibilidades, desenvolve suas potencialidades no sentido de diminuir sua vulnerabilidade frente à doença e à sociedade, facilitar o acesso aos serviços públicos e promover sua inserção na sociedade. Trabalha seus medos, suas angústias, suas dúvidas e dificuldades frente ao diagnóstico da doença.
Em seu trabalho com o usuário, o assistente social orienta o mesmo sobre os seus direitos (trabalhistas, previdenciários, medicamentos entre outros), buscando fortalecer sua autonomia e cidadania. Ainda nesta perspectiva de fortalecimento do usuário, a prática profissional se dá no sentido de assessorar os movimentos sociais e seus participantes, auxiliar na mobilização e organização dos mesmos e na sua articulação com o Poder Público.
O assistente social desenvolve sua prática diária utilizando diversos processos técnico-operativos (prontuário único, entrevistas, acolhimento etc.) que possibilitam uma maior aproximação com a realidade vivenciada pelo usuário e também uma identificação das vulnerabilidades a que este está sujeito. Sua prática está pautada pelo atual projeto ético-político profissional, constituído de princípios e diretrizes que reconhecem os usuários como sujeitos de direitos e não como meros recebedores de favores.

1 – PROTEÇÃO SOCIAL: POBREZA E PRECONCEITO

A situação social que o Brasil enfrentou durante a segunda metade do século XX imprimiu em nossa sociedade duas marcas significativamente negativas: uma das estrutura sociais mais desiguais dos países de alto e médio desenvolvimento e um incompleto sistema de proteção social, frágil e incapaz de modificar positivamente os indicadores da desigualdade e da exclusão social. Mas não podemos deixar de registrar uma das mais importantes, se não a mais importante que foi, já nos anos 80, os primeiros movimentos de mudanças, orientados por uma agenda democrática de reforma social que defendia a democratização das políticas sociais e a melhoria e eficácia do gasto social, trazendo para as políticas sociais um novo ordenamento que desse respostas às necessidades da sociedade, com eqüidade e aumento da democracia social. Este processo culminou na inclusão das demandas por direito de participação social na Constituição Federal de 1988, instituindo-se um sistema de proteção social que integra as políticas da assistência, da previdência social e da saúde, tendo neste último o Sistema Único de Saúde – SUS como forma de acesso universal aos serviços, diferentemente da previdência social que condiciona o benefício à contribuição financeira, descontado do salário do trabalhador e/ou parte do empregador e da assistência social que estabelece critérios de acesso, seleção e com uma atenção focalizada.
O sistema de proteção social desenvolve-se no debate sobre as causas e a busca de alternativas e estratégias para o combate à pobreza da classe trabalhadora, contribuindo com a exploração da força de trabalho, sua reprodução, bem como sua manutenção. A preocupação não estava na eliminação das situações de miséria e vulnerabilidade absoluta, mas na integração e participação deste trabalhador, do indivíduo pobre na dinâmica da sociedade, garantindo-lhe uma renda mínima, indispensável para esta integração baseada no consumo e na reprodução do capital.
A presença dos pobres e a pobreza são vistos como uma coisa comum, natural, banal na nossa atual sociedade. A violência da pobreza constitui parte de nossa experiência diária na sociedade contemporânea. (YAZBECK, 2006:61) As marcas exteriores causadas pelos impactos de uma sociedade capitalista e deixadas sobre os pobres como o desemprego, a saúde precária, a insalubridade, a falta e/ou precariedade de moradias, a alimentação precária e insuficiente, a ignorância e a resignação mostram os limites da condição de vida dos excluídos e subalternizados da sociedade. Mas também nos mostram como somos tolerantes e incapazes de intervir para minimizar ou acabar com esta situação de miséria. Não bastando esta situação de exposição permanente aos riscos sociais, de vulnerabilidade , a pobreza serve como pano de fundo para uma série de infortúnios e para justificar a sua desqualificação, ou por qualquer iniciativa de manifestação como seu modo de pensar, de agir, de falar, de vestir, de suas crenças ou de qualquer coisa que esteja relacionada com a sua classe social. Estas circunstâncias desvelam tudo o que a sociedade faz questão de esconder, que é a sua face preconceituosa , discriminatória e excludente.
As políticas sociais, através do sistema de proteção social, são respostas às conseqüências de um modelo de desenvolvimento pautado na exploração da força de trabalho e do acúmulo de capital que foi adotado no Brasil, produzindo um contingente considerável de excluídos do mercado de trabalho formal que, automaticamente, perde seus direitos sociais básicos, já que estes estão atrelados ao contrato de trabalho, restando aos demais, mercado informal, e outros que buscam estratégias de sobrevivência, ficar à mercê das políticas sociais que define quais, entre os pobres, são os miseráveis e escolhidos para receber o benefício irrisório. Forma-se assim uma massa de pessoas necessitadas, desamparadas e o que é pior, expostas à toda e qualquer sorte, além de ter que conviver com o preconceito e a discriminação da sociedade, como vimos anteriormente.
Se somarmos a todas estas circunstâncias o fato de a pessoa ser acometida por doenças crônicas e/ou sexualmente transmissíveis, especificamente o HIV/Aids, que desde de seu surgimento sempre foi cercado por uma série de preconceitos e informações distorcidas e discriminatórias, especialmente no que se refere à orientação sexual, a situação se agudiza ainda mais. Pois é certo afirmar que situações de privação financeira, aspectos sociais, além da pobreza são situações férteis, situações de vulnerabilidade às quais estão expostos todos os pobres e/ou despossuídos de bens materiais e de serviços.
A questão da pobreza passa por outros aspectos sócio-econômicos e politico-culturais que extrapolam o alcance dos programas e políticas de proteção social. Passa por uma revisão de valores e de estratégias que, de fato, transformem positivamente a realidade social das classes desfavorecidas e despossuídas, vulneráveis aos riscos sociais que se apresentam no seu cotidiano. Despossuídas não só de recursos financeiros, econômicos, culturais ou educacionais, mas de auto-estima, inclusão social, do sentimento de pertencimento, de participação social efetiva.

2 – AIDS NO BRASIL E SERVIÇO SOCIAL

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS, doença que mata destruindo a capacidade do organismo para combater infecções, já tem quase 30 anos no Brasil, desde que foi descoberta. A primeira a apontar casos de AIDS no Brasil foi a pesquisadora e dermatologista Valéria Petri. Desde então, são mais de 470 mil casos registrados da doença, segundo dados do Ministério da Saúde.
Quando descoberta em 1980, a AIDS foi rotulada de doença de drogados, gays e prostitutas (os então chamados grupos de risco). Este era um conceito errado que acabou prejudicando ainda mais a prevenção e alerta da população provocando nas pessoas fora destes grupos, a falsa sensação de segurança e reforçando os estigmas e preconceitos. Posteriormente, a epidemia evoluiu para as mulheres, os jovens, os idosos e os usuários de drogas.
O Vírus da Imunodeficiência Humana – HIV é o causador da AIDS. Ele pode ficar até 8 anos sem se manifestar. Em 1985 a doença já havia provocado 181 mortes no Brasil, 133 delas em São Paulo e o restante no Rio de Janeiro. Segundo dados do Ministério da Saúde (2000), tem ocorrido uma feminização, heterossexualização, jovialização, interiorização e pauperização.
Atualmente, não existe o conceito de um grupo de risco, mas sim aspectos sociais que propiciam a exposição ao HIV/Aids. É importante destacar que desta forma, todos nós estamos vulneráveis à doença, independentemente da classe social, sexo, orientação sexual, ou convicção religiosa.
Nesta problemática, o assistente social tem um papel fundamental na assistência aos portadores de HIV/Aids. Quando estes usuários chegam ao serviço, o primeiro passo é o acolhimento e entrevistas com informações sobre a doença, exclusão de direitos, orientação jurídica sobre herança, litígio, direitos previdenciários e trabalhistas como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, PIS/PASEP e educação financeira. Ainda no acolhimento, os profissionais trabalham algumas questões subjetivas como os medos, as angústias, preconceitos, valorização da auto-estima, identificação das dificuldades, desmistificação de fantasmas como a questão dos medicamentos e da morte.

Como afirma a assistente social A:

“A AIDS tem várias mortes, que são trabalhadas o tempo inteiro, a primeira é o diagnóstico, pois é uma doença crônica; a segunda é a questão da imunidade quando esta apresenta-se baixa. A morte é algo que o profissional trabalha sempre, mas é preciso trabalhar as perspectivas de vida”.


De acordo com a necessidade do paciente, o assistente social encaminha o usuário para profissionais de saúde como: psicólogos, nutricionistas, dermatologistas e entidades não governamentais e governamentais para atendimentos ambulatoriais, grupos de apoio e suporte jurídico e, em casos excepcionais, para o fornecimento de cestas básicas. Todas as informações e atendimentos são registrados em prontuário único.
No que se refere a adesão ao tratamento, ambas assistentes sociais disseram que o paciente adere bem ao serviço, mas ao tratamento a adesão é mais complicada, pois são vários os medicamentos que devem ser tomados à longo prazo, o que exige do paciente uma reorganização na sua rotina diária . Visando uma maior adesão ao tratamento, as profissionais relataram que desenvolvem estratégias como: reuniões com os usuários para conscientizá-los da importância do tratamento, utilizando figuras, linguagem adequada ao perfil do usuário, treino de medicamento, onde o profissional auxilia no horário e maneira adequada de tomar a medicação. Em alguns casos conversam com o médico para verificar a possibilidade de adaptação dos horários da medicação com a rotina dos pacientes.
Os profissionais de diversas áreas devem analisar o usuário em todo seu histórico de atendimento institucional, trabalhando em todas as dificuldades apresentadas pelo mesmo.
Como relatamos anteriormente, a AIDS é uma doença extremamente estigmatizante, na qual a exposição da doença ocorre nos grupos mais pauperizados da população. Esta exposição é resultado de um conjunto de aspectos e indicadores sociais como: exclusão, poucas oportunidades de renda própria, baixa escolaridade, classe social, gênero e faixa etária.

Conforme afirmação da assistente social A:

“Os principais indicadores que envolve a questão da AIDS são a renda e a escolaridade. "


De acordo com a mesma, a questão da renda envolve questões de miserabilidade e vulnerabilidade, pois alguns usuários que chegam aos serviços não têm renda própria, vivem em situação de rua e a maioria possui renda proveniente de meios ilícitos como o tráfico de entorpecentes etc. Quanto à escolaridade, a profissional coloca que o divisor da AIDS é ter 7 anos de estudos.

3 – MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICAS SOCIAIS E ASSISTÊNCIA SOCIAL

As lutas contra a AIDS no Brasil surgiram na década de 80, junto com a luta pelo fim da ditadura militar e pela redemocratização do país. No início de 1983, representantes de homossexuais e delegações de hemofílicos começaram a exercer pressão sobre o Estado para que este assumisse posições mais efetivas frente a questão da AIDS.
No enfrentamento do HIV/Aids é inegável o papel desempenhado pelas organizações não-governamentais - ONG's, que são reconhecidas internacionalmente pela grande importância no controle desta epidemia.
Em 1985, centenas de casos de AIDS eram conhecidos no Brasil e crescia a pressão dos movimentos sociais. O Ministério da Saúde reconheceu a AIDS como um problema emergente de Saúde Pública no país culminando na criação do Programa Nacional de DST/Aids, com a tripla missão institucional de coordenação, elaboração de normas técnicas e formulação de políticas públicas na sua área de abrangência para o combate à epidemia.
Com o Programa e com a ampliação das ONG's/Aids no Brasil, houve realização de encontros macro-regionais e nacionais de AIDS, com o objetivo de implantar ações programáticas para o controle à epidemia e formulação de novos programas e políticas públicas. Posteriormente, houve a criação dos Fóruns Estaduais, Municipais e dos Encontros Estaduais, Regionais e Nacional de AIDS, que contavam com a participação dos soropositivos, fundamental para a redução do estigma e preconceito e ampliou a participação das demais representações em diferentes instâncias de articulação e controle social como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Comissão Nacional de AIDS (CNAIDS) dentre outras.
Os movimentos sociais organizados de AIDS conseguiram transformar grande parte de suas reivindicações em leis e instruções normativas. Dentre essas garantias estão o acesso universal a medicamentos anti-retrovirais; o acesso à cirurgia de preenchimento facial para pessoas afetadas por lipodistrofia (acúmulo ou perda de gordura em áreas localizadas do corpo); além da proibição da comercialização de sangue e de hemoderivados.
Nesses movimentos sociais, a participação dos portadores de HIV/Aids foi fundamental e contribuiu para a redução do estigma e preconceito contra os soropositivos. Não podemos esquecer a capacidade destes movimentos de empoderar os sujeitos na luta pelos seus direitos.
Nesta questão do empoderamento e dos movimentos sociais é importante a prática do profissional de Serviço Social. Estes profissionais começaram como militantes dos movimentos da Reforma Sanitária e foram assessorando os participantes dos movimentos. Sua inserção se deu no sentido de auxiliar os grupos envolvidos com estes movimentos no enfrentamento de problemas específicos, na mobilização e organização dos movimentos, bem como na articulação entre os movimentos e o Poder Público. Eles trabalham a questão do empoderamento, fortalecendo a cidadania e a autonomia dos usuários e possíveis integrantes do movimento, potencializando a participação política na formulação de diretrizes governamentais, na organização de serviços e de projetos comunitários.
A prática profissional do assistente social se dá de forma que haja uma reflexão compartilhada com a população, disponibilizando o seu conhecimento crítico-profissional aos movimentos.

Conforme aponta a assistente social A:

"O profissional incentiva na questão de abaixo-assinados, dá suporte técnico para os movimentos, passeatas e manifestações. Não negligencia o direito do usuário".


E reafirma a assistente social B:

"Trabalhamos a questão da responsabilização, orientamos sobre direitos e deveres. O movimento tem que partir do usuário, mobilizando-os para ir em busca de melhoria e da garantia de seus direitos".


O assistente social apresenta condições teórico-metodológicas e ético-políticas de potencializar a mobilização popular, com vistas a fortalecer a luta pela garantia e ampliação dos direitos sociais e atua na formulação, gestão e execução de políticas públicas.

4 – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS

A 8ª Conferência Nacional de Saúde, aberta em 17 de março de 1986, foi um marco na história do Sistema Único de Saúde – SUS e a primeira aberta à participação da sociedade, além de um importante propagador dos Movimentos Sociais da Reforma Sanitária. Resultou na implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde – SUDS e em um convênio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS que havia passado por uma grande crise no financiamento da Previdência Social causada pelo fim do milagre econômico, na década de 70. O mais importante nesse processo foi a formação de bases para a secção “Da Saúde”, na Constituição Federal de 1988, definindo a saúde pública como um “direito de todos e dever do Estado”.
A implantação do SUS foi realizada gradualmente, primeiro veio o SUDS, depois a incorporação do INAMPS ao Ministério da Saúde e por fim, a Lei Orgânica da Saúde (lei nº 8080/90) fundou o Sistema Único de Saúde. Logo em seguida, a lei nº 8142/90 estabeleceu ao SUS uma de suas principais características, o controle social, ou seja, a participação dos usuários, da população na gestão dos serviços. Em 27 de julho de 1993 o INAMPS foi extinto através da lei nº 8689.
O Sistema Único de Saúde – SUS tem como princípio a universalidade do acesso aos serviços, o que significa atender a todos os cidadãos, independentemente de contribuírem ou não com a Previdência Social. Outro princípio é o da integralidade com ações e serviços de proteção, tratamento e a reabilitação da saúde. O princípio da eqüidade garante que, em função das diferenças sociais e regionais, os recursos deverão ser distribuídos de forma a favorecer aos que mais necessitam de unidades e de atenção. Destaque também para descentralização, objetivando a municipalização das ações e serviços da saúde, em busca do atendimento integral e com os serviços dispostos de maneira regionalizada, atendendo as especificidades de cada região. O controle social merece destaque nestes princípios, pois é a garantia da participação da sociedade na gestão dos serviços e na aplicação dos recursos, através de uma gestão compartilhada e democrática nas decisões, tendo como meio os Conselhos Estaduais, Municipais e Nacional de Saúde.

5 – SAÚDE, MEDICAÇÕES E DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da infecção pelo HIV é feito por meio de testes, realizados a partir da coleta de uma amostra de sangue e podem ser realizados em Unidades Básicas de Saúde, em Centros de Testagem e Aconselhamento – CTA's e em laboratórios particulares. Nos CTA's, o teste anti-HIV pode ser feito de forma anônima e gratuita, pertencem à rede pública de saúde. Nestes centros também há um processo de acompanhamento antes e depois do teste, feito de forma cuidadosa com a finalidade de facilitar a correta interpretação do resultado, tanto pelo profissional de saúde como pelo paciente, buscando avaliar a vulnerabilidade do sujeito ao HIV. Todos os testes devem ser realizados de acordo com a norma definida pelo Ministério da Saúde e com produtos registrados na Agência Nacional da Vigilância Sanitária – ANVISA/MS e por ela controlados.
Os exames habituais (Elisa e Western Blot) detectam anticorpos contra o HIV produzidos pelo sistema imune do hospedeiro. Desta forma, existe um período (chamado de janela imunológica) em que o indivíduo pode estar infectado, sem no entanto, ter estabelecido ainda uma taxa de anticorpos em quantidade detectável. Assim, o indivíduo com infecção recente ainda não detectável pelos exames habituais pode transmitir o vírus, uma vez que esse já pode estar circulante no sangue e ser eliminado nas secreções. Além disso, na fase inicial da infecção, as taxas de vírus circulantes podem ser altas, uma vez que a resposta de defesa do hospedeiro ainda não está estruturada.
O teste sorológico para HIV/Aids pode ser realizado em laboratórios clínicos particulares. Porém o ideal é realizar o exame após consulta e aconselhamento por profissionais de saúde capacitados para aconselhamento. A testagem compulsória é proibida por lei e isso vale também para esses casos. Mesmo no caso das cirurgias, não há necessidade de o paciente revelar que é soropositivo. O médico também é proibido de pedir exame anti-HIV.
Durante o pré-natal toda gestante tem o direito é deve realizar o teste HIV. Quanto mais precoce o diagnóstico da infecção pelo HIV na gestante, maiores são as chances de evitar a transmissão para o bebê e de garantir uma melhor qualidade de vida para a gestante. O tratamento é gratuito e está disponível no SUS. A transmissão vertical do HIV é denominada quando a criança é infectada pelo vírus do HIV durante a gestação, o parto ou por meio da amamentação.
O direito à vida e ao tratamento médico adequado são um direito reconhecido pela Constituição Federal, artigo 196. Além disso, segundo a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1359/92, o atendimento profissional aos portadores do vírus do HIV é um imperativo moral da profissão médica e nenhum médico, instituição pública ou privada pode recusá-lo.
A Lei 9313/96 – chamada de Lei Sarney – estabelece a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores de HIV. Porém a Constituição Federal, em seu artigo 196, diz “saúde é direito de todos e dever do Estado” e a Lei 8080/90, no artigo 6º - Lei do Sistema Único de Saúde – SUS prevê a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. É sugerido que o paciente quando não consegue encontrar os medicamentos necessários ao seu tratamento, deve procurar o Programa Municipal ou Estadual de DST/Aids de sua cidade com a receita médica para verificar as possibilidades e os encaminhamentos para recebê-los gratuitamente. Todos os profissionais de saúde são obrigados a notificar à vigilância epidemiológica os casos de contágio pelo HIV para que se possa comprar remédios e prever ações de assistência a essas pessoas. Porém o profissional não pode revelar fatos ou diagnósticos sobre o paciente a ninguém. É preciso considerar que diversos aspectos contribuem para a suscetibilidade das pessoas ao HIV. São fatores de ordem social, econômica, política e jurídica que fazem com que diferentes pessoas ou grupos disponham de possibilidades diferentes de proteger-se dos riscos de infecção pelo HIV. A desigualdade de poder entre homens e mulheres, por exemplo, pode dificultar a negociação do uso do preservativo nas relações heterossexuais. Da mesma forma, o preconceito contra homossexuais e profissionais do sexo pode limitar o acesso desses grupos ao serviço de saúde e de educação e comprometer a obtenção de informações e de insumos de prevenção.
Um atendimento de qualidade pressupõe ações tecnicamente qualificadas e organizadas de forma a respeitar a diversidade e promover uma relação de confiança entre usuários e equipe de saúde. Para tanto, os serviços de referência contam com assistentes sociais que devem ter habilidade para escutar, compreender e compartilhar decisões com as pessoas que vivem com HIV/Aids de forma clara e acessível, evitando emitir juízo de valor que possa levar a atitudes preconceituosas e discriminatórias.

(...) somos profissionais que chegamos o mais próximo possível do cenário da vida cotidiana das pessoas com as quais trabalhamos. O que para muitas profissões é relato, para nós é vivência, o que para muitos profissionais é informação, para nós são fatos, plenos de vida, saturados de história. (Martinelli, 1997, in Narciso, Medina e Pereira)


Os vínculos de confiança estabelecidos entre a equipe e o usuário facilitam o acompanhamento e a adesão ao serviço. Um bom atendimento faz com que ele se sinta seguro, respeitado e tenha confiança para expressar dúvidas relacionadas ao viver com HIV/Aids.

6 – DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS DOS PORTADORES DO HIV/AIDS

Os atuais desafios do portadores do HIV/AIDS é a garantia dos direitos de cidadania, pois com a chegada da medicação anti-retrovirais – ARV, a qualidade de vida melhorou significativamente. Hoje, o trabalhador portador do HIV é mais consciente e reivindica seus direitos. No caso dos direitos trabalhistas, o portador do HIV não é obrigado a dizer ao médico admissional a sua sorologia positiva e nem mesmo em nenhum momento a empresa pode exigir o exame anti-HIV para admissão ou permanência no trabalho, não podendo ser demitido tão somente por ser enfermo ou portador da HIV. O portador de HIV tem direito de levantar os valores depositados em nome da pessoa a título de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS e sacar estes valores, independentemente da rescisão do contrato de trabalho ou de comunicação ao empregador. O trabalhador já doente de AIDS também pode receber os valores do PIS/PASEP e também efetuar o levantamento do mesmo.
Devido à luta dos pacientes em movimentos sociais organizados, a Previdência avançou e novas Normas Técnicas a colocam mais próxima do cidadão para garantir os direitos dos portadores do HIV/Aids. A concessão do benefício é garantida quando a atividade traz prejuízo à saúde do soropositivo, mas para ter direito, é necessário também que o soropositivo já seja um contribuinte. Por isso o portador do HIV deve pagar o INSS, ainda como autônomo, para no futuro ter direito ao auxílio-doença e/ou qualquer outro benefício previdenciário como: Benefício de Prestação Continuada - BPC, aposentadoria por invalidez, pensão por morte entre outros, se for acometido de alguma doença oportunista e ficar incapacitado para o trabalho por algum tempo.
No acesso aos benefícios previdenciários, a assistente social A relata que "uma das grandes dificuldades e também um desafio da prática profissional é a questão da burocracia que acaba impedindo que muitos usuários tenham acesso aos benefícios e programas e também devido a morosidade dos procedimentos".
Outro desafio que se coloca é a subjetividade da perícia, na qual muitos usuários têm a necessidade de receber os benefícios e não conseguem passar na perícia. Nesse sentido é preciso que haja um treinamento, uma capacitação profissional para estabelecer procedimentos e normas objetivas para garantir o acesso aos benefícios.

7 - PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL: DIFICULDADES E DESAFIOS

Dimensão política, que constitui a construção de uma nova ordem social sem dominação, exploração de classe, gênero, etnia e a dimensão profissional que envolve a defesa dos Direitos Humanos, recusa ao autoritarismo, ao preconceito, reconhecimento do pluralismo e o Código de Ética que defende a eqüidade e justiça social e a consolidação da democracia são princípios fundamentais para o desenvolvimento da prática profissional, que tem por objetivo promover a emancipação, autonomia e empoderamento do usuário.
Neste sentido afirma José Paulo Netto, no que se refere ao projeto ético-político profissional:

“(...) envolve um conjunto de componentes articulados, como valores, saberes escolhas teóricas, práticas ideológicas, políticas, éticas, normatizações acerca de direitos e deveres, recursos político-organizativos, processos de debates, investigações, interlocução crítica com o movimento da sociedade da qual a profissão é parte e expressão.”

Na sua prática diária, o profissional encontra dificuldades e desafios, no que se refere ao atual projeto ético-político profissional que busca a consolidação de uma sociedade mais justa e igualitária bem como a emancipação do usuário.
As dificuldades para a efetiva consolidação do projeto ético-político profissional apontadas pelas assistentes sociais são: falta de recursos financeiros para os serviços e programas, excesso de burocracia para acesso aos serviços e benefícios, carência de retaguarda social (casas de apoio, cestas básicas etc), falta de capacitação profissional, insuficiência dos programas sociais, falta de escolas acolhedoras.
Quanto aos desafios, colocam que é difícil estabelecer parcerias, articulação com secretarias/órgãos públicos e a sociedade, mobilização dos pacientes, burlar a burocracia, capacitação profissional para os entes envolvidos no atendimento ao usuário.
As profissionais afirmaram que o compromisso ético-político profissional é de: propiciar um atendimento humanizado aos seus usuários, alteridade (se colocar no lugar do outro), melhorar a qualidade de vida das pessoas, auxiliar as pessoas o máximo possível, compromisso com a prática profissional e o usuário, clareza do papel profissional, fazer a diferença, trabalhar na perspectiva de garantia e ampliação de direitos, dignidade e respeito ao usuário, conscientização e sensibilização da população na vivência com soropositivos, se aprofundar nos conhecimentos da sua área de atuação, não negligenciar os direitos do usuário.
Entendemos que há uma distância entre o projeto ético-político profissional e a prática colocada pelas profissionais, pois ao mesmo tempo em que as profissionais entendem o compromisso que têm com o usuário, as relações sociais e as correlações de forças no âmbito institucional e no próprio contexto social, além da própria postura profissional percebida em ambas, não permitem mudanças significativas no status quo. Assim o projeto ético-político profissional fica parcialmente comprometido com a sua atual finalidade, conforme relatamos anteriormente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A garantia de acesso ao tratamento médico para o portador do HIV/Aids no Brasil é uma conquista dos movimentos sociais que se iniciou com a Reforma Sanitária. Porém este acesso precisa ser mediado por algumas instituições e mecanismos burocráticos que, por vezes, não é resolvido em tempo hábil para o paciente soropositivo. É neste contexto e na perspectiva de uma intervenção efetiva que possibilite o acesso aos direitos - serviços e tratamentos - que este artigo se propôs a discutir de que forma o profissional do Serviço Social pode contribuir para a garantia destes direitos e para um tratamento humano, digno e de qualidade para os portadores do HIV/Aids.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, segundo consta na Constituição Federal. Assim, o Estado deve disponibilizar um serviço de saúde de qualidade e condições de vida digna para os seus cidadãos, visando a sua proteção e evitando situações de vulnerabilidade e exposição ao HIV/Aids.
De acordo com alguns autores pesquisadores e estudiosos, o modelo universal de políticas sociais definidos na Constituição de 1988 não tem beneficiado a parcela mais pobre da população brasileira e é ineficiente e incapaz no combate à pobreza e às desigualdades sociais. (BARROS e FOGUEL, 2000)
A infecção com o vírus HIV e o adoecimento por AIDS não está vinculado apenas à vontade dos indivíduos, mas faz parte de um conjunto de aspectos sociais que foge do seu controle, pois as condições de vida a que estão submetidos oportuniza graus de vulnerabilidade para infecção do HIV/Aids.
Portanto, a responsabilidade pelo surgimento dos casos de HIV/Aids não deve ser única e exclusiva dos sujeitos, mas deve ser compartilhada com o Estado, que não ofereceu condições dignas de sobrevivência aos seus cidadãos e nem oportunidades suficientes para o seu esclarecimento sobre a doença e sua emancipação financeira.
O assistente social vivencia dilemas e desafios na implementação das ações demandadas pelos usuários. Defronta-se com as mais diferentes formas de manifestações e enfrentamento da doença pelo usuário e suas famílias.
O papel do Assistente Social é o de esclarecer junto aos usuários seus direitos sociais e os meios de acessá-los e o de estabelecer, conjuntamente a estes, o processo de solução dos problemas, que ocorrem na sua ação diária com o usuário. Em sua ação interventiva, o profissional de Serviço Social tem como prioridade assegurar o direito de acesso aos benefícios e na contribuição para a formação de uma consciência de proteção social junto ao Poder Público. O perfil social e epidemiológico da AIDS impõe ao assistente social uma necessidade de repensar a forma de atuação e que se tenha uma leitura da doença de forma mais aprofundada. As exigências institucionais e as carências demonstradas pelos usuários exigem ao profissional uma visão macro do problema e uma interpretação do contexto que permita uma intervenção adequada a cada situação apresentada.
É necessário ressaltar que todos nós estamos vulneráveis à doença. Desta forma, a prevenção constitui um foco importante no combate e enfrentamento da doença. É preciso que haja maior informação sobre a doença e suas formas de transmissão, articulação em rede, campanhas e programas de prevenção para uma maior conscientização das pessoas e a diminuição de estigmas, preconceitos e discriminação.
Entendemos que para a consolidação do projeto ético-político profissional é necessário que os profissionais façam leituras críticas da realidade, do contexto social, das conjunturas sociais, econômicas e políticas para que não permitam que as relações sociais e as correlações de força interfiram no projeto de uma sociedade mais justa e igualitária, pautada na autonomia e emancipação política, social, econômica, cultural, ideológica e humana dos nossos usuários, que têm seus direitos de cidadania constantemente violados e vilipendiados por um sistema que não os reconhece como um cidadão de fato e de direito.

Bibliografia/Referência Bibliográficas

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